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Festival de desrespeito

O Idec avaliou os contratos de 14 cartões de crédito e constatou que a presença de cláusulas abusivas é regra. Os documentos prevêem uma série de cobranças e práticas indevidas, além de negligenciar o dever de informar o consumidor.

 

 

"Acordo de vontades entre as partes, com o fim de adquirir, resguardar, transferir, modificar, conservar ou extinguir direitos." Essa é uma das definições do dicionário Houaiss para o termo "contrato". Quando se trata de cartões de crédito, a parte de "extinguir direitos" se aplica bem, como verificou uma pesquisa do Idec com 14 empresas emissoras (veja quais são elas no ranking ao lado). A análise das cláusulas contratuais constata que inúmeras delas ferem o Código de Defesa do Consumidor (CDC), atribuindo vantagem excessiva às empresas em detrimento do usuário.
 
Um dos problemas mais graves identificados no levantamento é o desrespeito ao direito à informação: são negadas informações prévias a respeito da exata incidência de taxas de juros e encargos, bem como das cobranças que serão realizadas. Em todos os casos, o que se verifica é que a empresa faculta ao usuário buscar a informação. "Trata-se de uma inversão de responsabilidade, já que os dados omitidos são fundamentais para a contratação, e, portanto, sua divulgação prévia é obrigação do fornecedor", ressalta Maria Elisa Novais, gerente jurídica do Idec e responsável pela pesquisa.
 
Em vários dos contratos analisados há cláusulas que prevêem a possibilidade de incluir o nome do consumidor em cadastros de maus pagadores sem notificá-lo previamente e outras que passam por cima da necessidade de autorização expressa do consumidor e de comunicação prévia para a abertura de banco de dados de bons pagadores e o armazenamento de informações pessoais dos clientes. "Essa previsão evidencia a prática do chamado cadastro positivo antes mesmo que qualquer regulamentação viesse a normatizá-la", observa Maria Elisa. "E, também, a falta de dispositivos claros sobre a limitação da utilização do cadastro deixa o consumidor completamente desprotegido e sem controle sobre o acesso aos seus dados", reclama.
 
Além do próprio CDC também são desacatadas normas complementares, como o Decreto do SAC (no 6.523/2008), que estabelece regras para as centrais de atendimento ao consumidor dos setores regulados pela esfera federal - como é o caso dos cartões de crédito, submetidos ao Banco Central. Entre as infrações, as empresas de cartão limitam o horário de atendimento, enquanto a legislação determina que ele deve ser ininterrupto (24 horas por dia), e não divulgam telefone gratuito para contato.
 

Mercado concentrado

 

A maioria dos consumidores não sabe, mas por trás da loja ou da bandeira que estampa o seu cartão de crédito provavelmente está um grande e conhecido banco. Dos 14 cartões contratados para a pesquisa, seis têm suas linhas de crédito administradas pelo Itaú (Marisa, Magazine Luiza, Sonda, Ponto Frio, Extra e Hipercard), três pelo Bradesco (Casas Bahia, C&A, American Express), um pelo Santander (Renner) e mais um pelo Citibank (Diners). Ou seja, dez dos cartões pesquisados (mais de 70%) são administrados por três instituições financeiras que têm mais de 1 milhão de clientes e que fazem parte do grupo dos dez bancos que respondem por mais de 80% do sistema financeiro.

Os números evidenciam a concentração do mercado de cartões na mão de poucos gigantes, o que traz prejuízos ao consumidor. "Um mercado concentrado implica concorrência reduzida e, consequentemente, impede a oferta de taxas de juros, encargos e serviços tarifados a preços verdadeiramente competitivos", explica a advogada Maria Elisa. Outro problema dessa ligação entre bancos e cartões de crédito é o compartilhamento dos dados pessoais dos clientes. "Se um grande banco financia o crédito de determinada loja, certamente ele terá os dados pessoais do consumidor e pode assediá-lo com os produtos que oferece nas diversas empresas do mesmo grupo", ressalta a advogada.

 

Cobranças e mais cobranças

 

Se há uma coisa que não falta nos contratos de cartões de crédito é a previsão de cobranças, sendo que boa parte delas pode ser considerada abusiva. Entre as mais comuns estão as tarifas por emissão de boleto bancário e de manutenção, e para a confecção e renovação de cadastro. Espera-se que as recém-aprovadas regras para o setor de cartões (Resolução no 3.919/2010 e Circular no 3.512/2010, ambas do Conselho Monetário Nacional - CMN) acabem com essa festa. Entre outras coisas, a regulamentação limita a cobrança de tarifas a cinco serviços: anuidade, segunda via de cartão, saque, pagamento de conta e avaliação de limite. Embora as regras só entrem em vigor a partir de março, várias cobranças já são consideradas abusivas frente ao CDC.
 
Outra cláusula absurda é a que trata da aplicação de encargos moratórios caso o consumidor conteste determinado valor lançado na fatura por suspeita de cobrança indevida e posteriormente se comprove que era sua responsabilidade pagar. "Tal prática onera de forma demasiada o consumidor e possibilita vantagem manifestamente excessiva à empresa, considerando que não são todos os contratos que determinam eventual devolução ao consumidor dos valores contestados com correção", aponta Maria Elisa.

Além da enxurrada de cobranças, os contratos prevêem ainda práticas abusivas e extremamente prejudiciais aos consumidores, como a possibilidade de vencimento antecipado dos débitos no caso de atraso no pagamento da fatura e o bloqueio temporário do cartão sem prévio aviso. Para o Idec as recentes regras do CMN são insuficientes e estão muito aquém de vários problemas dos consumidores. Essencialmente elas tratam de cobranças de tarifas e outras questões pontuais, porém, várias práticas abusivas encontram respaldo em contratos que não são fiscalizados ou regulados pelo Banco Central.


(Fonte: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC)